sexta-feira, 19 de julho de 2013
sábado, 6 de julho de 2013
Nuvens - Venturini
Nuvens
Vão as nuvens
As imagens que eu guardei pra mim
Nuvens claras, sentimentos
Transparentes ondas de emoção
Ondas
Som das ondas
Carruagens pelo mar sem fim
São viagens, são momentos
Que passaram e que não passarão
As minhas canções inacabadas
Vão ficar como folhas no vento
Cruzes na beira da estrada
Quando cessar em mim a energia,
o movimento
Mais do que cruzes, pousada
Mais do que abrigo, alimento
De uma aventura desenfreada
Da minha breve estrada
São os melhores momentos
Viajante, não lhes peça nada
Além de esperança e alento
São folhas, são cadernos, são palavras
São indecifráveis madrugadas
Deixe-as seguir no vento.
Fontes
São teus olhos
Diamante que eu sonhei pra mim
Mas são nuvens
Vão no vento diferentes
Os nomes da paixão
Nomes de pessoas
De lugares nas esquinas dos amores
vãos
Vão ciganos
Nuvens claras
Que passaram e que não passarão
Tudo que faz o amor valer
Faço virar canção
Se você nem quiser me ver
Faço você cantar
terça-feira, 2 de julho de 2013
Maringá, Maringá... uma lembrança de menina.
Não, eu nunca fui a Maringá.
Nem conhecia a música Maringá, que depois fui procurar... para havê felicidade é preciso que a saudade vá batê noutro lugá.
Mas quando tinha lá meus 12 anos devorei esse livro, Sete Faces do Amor, um livro de contos bem infanto-juvenil. Me encantei por esse texto, especialmente. Naquela idade, não era difícil se identificar com a menina do conto, a quase namorada, e todos os seus sonhos e suas dúvidas e suas esperas e suas inseguranças. Mais, com sua sina de preferir ser coadjuvante da vida dos outros em vez de protagonista da sua própria história, de viver mais dentro da sua cabeça do que no mundo que a cerca.
Anos depois, quis correr atrás desse texto, descobri-lo novamente. E, apesar de recordar sua essência, do texto mesmo eu só me lembrava da bendita citação à Maringá, Maringá... antigamente, uma alegria sem igual. Cidade que não conheço, música que nunca ouvi... conto que recuperei!
E eu ainda me identifico com ele. Talvez porque, de lá pra cá, tenha colocado algumas vezes o meu amor à disposição de quem já tinha o coração ocupado. Talvez porque ainda mantenha na ponta da língua esse mesmo humor ácido que a menina do conto mostra nas entrelinhas.
E é possível, bem possível, que aquela menina que leu este mesmo conto aos 12 anos, há longos 13 anos atrás, não esteja assim tão longe de mim.
[É só comigo, ou recordações têm mesmo o poder de colocar a gente em xeque, de mexer com a gente?]
************************
A quem tiver paciência para ler:
Quase Namorada (Vivina de Assis)
Antes o telefone tocava e eu nem ligava. Agora fico torcendo, rezando. Morrendo de medo da minha mãe descobrir ou desconfiar.
Não quero que ninguém daqui de casa descubra ou desconfie. Nem daqui nem de lugar nenhum. Rua, clube, escola, nada. Ninguém. Muito menos ele.
Só eu. Mesmo assim, tem hora que duvido. Só quando durmo e sonho com ele é que tenho certeza.
Sonho todos os dias (ou melhor, todas as noites). Basta dormir. Fechar os olhos.
Tem noite que nem precisa. Mesmo com os olhos abertos, já vou sonhando.
Essa noite a gente se casou.
Igreja vazia, só nos dois. Vazia nada, cheiíssima. Pra que mais gente?
Quando comecei a entrar, ele veio correndo. Correndo nada, voando.
Ele veio voando, segurou minha mão, eu segurei a dele e a gente foi andando devagarzinho, um olhando pro outro, igual nas novelas de televisão e nos filmes de Hollywood dos tempos de minha mãe.
Só faltou a gente ser feliz para sempre.
Acordei antes, quase lá, pertinho do altar.
Tentei dormir de novo, ver se o padre aparecia, mas já tinham fechado a igreja.
Mais tarde, na cantina do colégio, dei um beijo no rosto dele, pensando em Hollywood. Tive a impressão de que ele retribuiu pensando na zona norte, essa que a gente vê quando olha pela janela, cada manhã, olhos abertos pra realidade.
Do meu lugar, lá no fundo da sala de aula, vigio cada gesto dele. Cada olhar.
Faço isso por hábito.
Ele nunca tira os olhos dos cabelos crespos da garota da frente.
Se eu pudesse, me escondia nos olhos dele. Castanhos, parecendo absolutamente comuns.
Não são. Sei que não são. São castanhos e incomuns. Outro dia descobri essa palavra (conhecer eu conhecia, claro), e estamos, ela e eu, em lua-de-mel. Incomum, incomum. Gosto das palavras que fazem pensar. Antes eu só falava “fora do comum”. Mas fora do comum é comum, não é? Incomum é que é fora do comum.
Ninguém mais fora do comum do que ele. Nada mais natural, portanto, que tenha olhos castanhos incomuns, onde eu gostaria de me esconder em meus melhores e piores momentos.
Os momentos melhores são os que eu passo pensando nele, isto é, todos.
Os piores são quando desconfio (ou tenho certeza?) que ele não pensa em mim. Acho até que deve pensar, lá do jeito dele, absolutamente incomum.
Mas sonhar, garanto que não sonha. Nem dormindo, nem acordado.
Outro dia, na saída do colégio, levei o maior susto. Ele estava bem do meu lado, coisa mais que fora do comum.
– Você não vai pra casa? – perguntei, sabendo que não estava indo.
– Por quê?
– Você não mora pra lá?
– Meu pai tá viajando.
– Sua mãe também?
– Moro só com meu pai.
– Ah!
– Você não vai perguntar pra onde meu pai viajou?
– Pra onde seu pai viajou?
– Maringá. Conhece?
– Só a música.
– Mentira! Você conhece aquele horror?
– Se você conhece, por que é que não posso conhecer?
– Ah! Tenho meus motivos, pessoais e intransferíveis, como meu pai gosta de dizer. Meu avô nasceu em Maringá, minha avó, meus tios…
– Pois mesmo não tendo avô, nem avó, nem ninguém em Maringá, conheço a música. Quer ouvir?
– Deus me livre!… Sessão de tortura, aqui na rua?…
Minha casa chegou tão depressa que quase inventei mais uns dez quarteirões, vinte, trinta…
Na porta, fiquei sem saber se o convidava pra entrar, igual a um personagem de televisão, que nunca sabe se deve comprar um presente para o professor e acaba sempre comprando. Comigo não foi diferente.
– Só se for rápido – ele disse, já apertando o botão do elevador.
– Seu pai não está viajando?
– É, mas a minha namorada não.
Queria que ele morresse eletrocutado naquele elevador. Ah, na minha frente.
Joguei a mochila no sofá da sala e pedi a Deus que minha mãe tivesse colocado veneno no pão, na manteiga, no café, no suco, em cada grama de tudo que havia naquela mesa.
Cara chato, pô. Chato e comum. Comum e corriqueiro. Corriqueiro e insípido. Insípido, insosso, insuportável, intolerável, intragável, intratável, in, in, in…
Era assim que ele retribuía minhas toneladas de sonhos de todas as noites?
“Minha namorada”. Palavrinhas infernais essas duas. “Minha” e “namorada”. Tão comuns e infernais.
Eu devia ter convidado a “minha namorada” também. Assim morriam os dois, eletrocutados ou envenenados. Ali, bem na minha frente. Os dois.
Eu fazia sabe o quê? Comemorava. Co-me-mo-ra-va. Bem comemorado. Sabe como? Em alto estilo. Ouvindo Maringá: “antigamente, uma alegria sem igual…”
Ele não detestava a música? Pois ia ouvir até depois de morto. Vingança pouca é bobagem. A “minha namorada” também. Até depois de morta. Vingança é vingança.
Enquanto a gente comia aqueles sanduíches inocentes, sem veneno nenhum, minha mãe foi fazendo o interrogatório dela. Até hoje ninguém escapou.
Profissão de pai, da mãe, casa ou apartamento, empregada ou faxineira, clube, gato, cachorro, cavalo, zebra…
Meu interrogatório, se existisse, seria mais ou menos assim: “Posso adivinhar seu pensamento? Gravar seu sorriso, sua voz, fotografar seu olhar? Ouvir suas músicas? Sentir seus silêncios? Te ver dormindo? Ficar perto, te olhando? Te esperando acordar? Adivinhando seus sonhos?”
Se eu pudesse, virava uma fada e encantava nossa amizade. Fazia virar amor. Sapo encantado não vira príncipe? Quando eu era criança virava. Gata Borralheira não virava Cinderela?
Vou dar um jeito de virar fada. Se eu não der conta de transformar a amizade dele em amor, quem sabe transformo meu amor em amizade? Só por uns tempos, claro.
A gente vai vivendo, vivendo, sendo amigo e, quem sabe, um dia…
O futuro a Deus pertence. A Deus e às fadas.
Também, pensando bem, amigo é quase namorado. Caminho. Nem meio nem fim, mas princípio.
Quer coisa mais incomum que princípio? A gente nunca sabe o que vai acontecer. Maior mistério.
No maior mistério, se ninguém descobrir, nem desconfiar, sou quase namorada dele. Estou no princípio, no caminho.
Só tá faltando a gente ir ao cinema. A Ana, que já teve muitos namorados, andou me contando.
A gente vai como quem não quer nada, querendo. E deixa acontecer.
Ela não me explicou direito essa história aí, de deixar acontecer. Mas deu umas dicas.
Filme de terror, por exemplo. Nada mais irresistível. Verdadeira fada. Depois que a gente vai ficando perto do cara, pra espantar o medo, não há bruxa que separe.
Na falta de filmes de terror, musical serve. A gente começa a cantar junto com a turma lá da tela, a acompanhar o ritmo com o pé, vai dando vontade de dançar, de encostar, de abraçar e pronto, tá desfeito o encanto. Ou feito, sei lá.
A Ana, que já brigou com muitos namorados, andou me contando mais coisas. Aquela história da faca de dois gumes. Das duas faces de uma mesma moeda.
Depois de muitos filmes de terror e alguns musicais, às vezes namorados brigam. E é comum a amizade acabar. Ou ficar abalada, como diz minha mãe.
Quero e não quero ir ao cinema com ele. E se o terror for pouco e ele pensar que não estou nem um pouco com medo, só fingindo, querendo que ele me abrace?
E se o musical, por uma dessas coincidências infernais, tocar Maringá? Nem que seja só a introdução, uma nota?
E se a nossa amizade ficar abalada?
Mesmo a gente sendo só amigo, tem hora que ele me olha de pertinho e, às vezes, quando ri, parece que se esquece de parar de me olhar. Fica toda vida.
Nessas horas meu coração começa a pular, igualzinho sapo encantado.
Acho que fico vermelha, mas não tenho certeza, porque não carrego espelho na bolsa. Nem na mochila.
Uma vez ele disse que sou a única mulher que ele conhece que não carrega espelho. Achei lindo ele me chamar de mulher.
À noite, olhos ainda abertos, fiquei ouvindo a voz dele: “mulher, mulher…”
Quando comecei a sonhar, o padre estava lá no altar.
Mãos dadas, olhos nos olhos, vestido branco, terno, flores, alianças.
Não sei se tinha mais alguém na igreja. Minha mãe, meu pai, o pai dele, a Ana.
Meu sonho só me mostrava os olhos dele, castanhos, incomuns.
Quando estávamos no meu do caminho, ouvimos um órgão, longe, longe:
– Maringá???
Mesmo assim acho que fomos felizes para sempre.
Nem conhecia a música Maringá, que depois fui procurar... para havê felicidade é preciso que a saudade vá batê noutro lugá.
Mas quando tinha lá meus 12 anos devorei esse livro, Sete Faces do Amor, um livro de contos bem infanto-juvenil. Me encantei por esse texto, especialmente. Naquela idade, não era difícil se identificar com a menina do conto, a quase namorada, e todos os seus sonhos e suas dúvidas e suas esperas e suas inseguranças. Mais, com sua sina de preferir ser coadjuvante da vida dos outros em vez de protagonista da sua própria história, de viver mais dentro da sua cabeça do que no mundo que a cerca.
Anos depois, quis correr atrás desse texto, descobri-lo novamente. E, apesar de recordar sua essência, do texto mesmo eu só me lembrava da bendita citação à Maringá, Maringá... antigamente, uma alegria sem igual. Cidade que não conheço, música que nunca ouvi... conto que recuperei!
E eu ainda me identifico com ele. Talvez porque, de lá pra cá, tenha colocado algumas vezes o meu amor à disposição de quem já tinha o coração ocupado. Talvez porque ainda mantenha na ponta da língua esse mesmo humor ácido que a menina do conto mostra nas entrelinhas.
E é possível, bem possível, que aquela menina que leu este mesmo conto aos 12 anos, há longos 13 anos atrás, não esteja assim tão longe de mim.
[É só comigo, ou recordações têm mesmo o poder de colocar a gente em xeque, de mexer com a gente?]
************************
A quem tiver paciência para ler:
Quase Namorada (Vivina de Assis)
Antes o telefone tocava e eu nem ligava. Agora fico torcendo, rezando. Morrendo de medo da minha mãe descobrir ou desconfiar.
Não quero que ninguém daqui de casa descubra ou desconfie. Nem daqui nem de lugar nenhum. Rua, clube, escola, nada. Ninguém. Muito menos ele.
Só eu. Mesmo assim, tem hora que duvido. Só quando durmo e sonho com ele é que tenho certeza.
Sonho todos os dias (ou melhor, todas as noites). Basta dormir. Fechar os olhos.
Tem noite que nem precisa. Mesmo com os olhos abertos, já vou sonhando.
Essa noite a gente se casou.
Igreja vazia, só nos dois. Vazia nada, cheiíssima. Pra que mais gente?
Quando comecei a entrar, ele veio correndo. Correndo nada, voando.
Ele veio voando, segurou minha mão, eu segurei a dele e a gente foi andando devagarzinho, um olhando pro outro, igual nas novelas de televisão e nos filmes de Hollywood dos tempos de minha mãe.
Só faltou a gente ser feliz para sempre.
Acordei antes, quase lá, pertinho do altar.
Tentei dormir de novo, ver se o padre aparecia, mas já tinham fechado a igreja.
Mais tarde, na cantina do colégio, dei um beijo no rosto dele, pensando em Hollywood. Tive a impressão de que ele retribuiu pensando na zona norte, essa que a gente vê quando olha pela janela, cada manhã, olhos abertos pra realidade.
Do meu lugar, lá no fundo da sala de aula, vigio cada gesto dele. Cada olhar.
Faço isso por hábito.
Ele nunca tira os olhos dos cabelos crespos da garota da frente.
Se eu pudesse, me escondia nos olhos dele. Castanhos, parecendo absolutamente comuns.
Não são. Sei que não são. São castanhos e incomuns. Outro dia descobri essa palavra (conhecer eu conhecia, claro), e estamos, ela e eu, em lua-de-mel. Incomum, incomum. Gosto das palavras que fazem pensar. Antes eu só falava “fora do comum”. Mas fora do comum é comum, não é? Incomum é que é fora do comum.
Ninguém mais fora do comum do que ele. Nada mais natural, portanto, que tenha olhos castanhos incomuns, onde eu gostaria de me esconder em meus melhores e piores momentos.
Os momentos melhores são os que eu passo pensando nele, isto é, todos.
Os piores são quando desconfio (ou tenho certeza?) que ele não pensa em mim. Acho até que deve pensar, lá do jeito dele, absolutamente incomum.
Mas sonhar, garanto que não sonha. Nem dormindo, nem acordado.
Outro dia, na saída do colégio, levei o maior susto. Ele estava bem do meu lado, coisa mais que fora do comum.
– Você não vai pra casa? – perguntei, sabendo que não estava indo.
– Por quê?
– Você não mora pra lá?
– Meu pai tá viajando.
– Sua mãe também?
– Moro só com meu pai.
– Ah!
– Você não vai perguntar pra onde meu pai viajou?
– Pra onde seu pai viajou?
– Maringá. Conhece?
– Só a música.
– Mentira! Você conhece aquele horror?
– Se você conhece, por que é que não posso conhecer?
– Ah! Tenho meus motivos, pessoais e intransferíveis, como meu pai gosta de dizer. Meu avô nasceu em Maringá, minha avó, meus tios…
– Pois mesmo não tendo avô, nem avó, nem ninguém em Maringá, conheço a música. Quer ouvir?
– Deus me livre!… Sessão de tortura, aqui na rua?…
Minha casa chegou tão depressa que quase inventei mais uns dez quarteirões, vinte, trinta…
Na porta, fiquei sem saber se o convidava pra entrar, igual a um personagem de televisão, que nunca sabe se deve comprar um presente para o professor e acaba sempre comprando. Comigo não foi diferente.
– Só se for rápido – ele disse, já apertando o botão do elevador.
– Seu pai não está viajando?
– É, mas a minha namorada não.
Queria que ele morresse eletrocutado naquele elevador. Ah, na minha frente.
Joguei a mochila no sofá da sala e pedi a Deus que minha mãe tivesse colocado veneno no pão, na manteiga, no café, no suco, em cada grama de tudo que havia naquela mesa.
Cara chato, pô. Chato e comum. Comum e corriqueiro. Corriqueiro e insípido. Insípido, insosso, insuportável, intolerável, intragável, intratável, in, in, in…
Era assim que ele retribuía minhas toneladas de sonhos de todas as noites?
“Minha namorada”. Palavrinhas infernais essas duas. “Minha” e “namorada”. Tão comuns e infernais.
Eu devia ter convidado a “minha namorada” também. Assim morriam os dois, eletrocutados ou envenenados. Ali, bem na minha frente. Os dois.
Eu fazia sabe o quê? Comemorava. Co-me-mo-ra-va. Bem comemorado. Sabe como? Em alto estilo. Ouvindo Maringá: “antigamente, uma alegria sem igual…”
Ele não detestava a música? Pois ia ouvir até depois de morto. Vingança pouca é bobagem. A “minha namorada” também. Até depois de morta. Vingança é vingança.
Enquanto a gente comia aqueles sanduíches inocentes, sem veneno nenhum, minha mãe foi fazendo o interrogatório dela. Até hoje ninguém escapou.
Profissão de pai, da mãe, casa ou apartamento, empregada ou faxineira, clube, gato, cachorro, cavalo, zebra…
Meu interrogatório, se existisse, seria mais ou menos assim: “Posso adivinhar seu pensamento? Gravar seu sorriso, sua voz, fotografar seu olhar? Ouvir suas músicas? Sentir seus silêncios? Te ver dormindo? Ficar perto, te olhando? Te esperando acordar? Adivinhando seus sonhos?”
Se eu pudesse, virava uma fada e encantava nossa amizade. Fazia virar amor. Sapo encantado não vira príncipe? Quando eu era criança virava. Gata Borralheira não virava Cinderela?
Vou dar um jeito de virar fada. Se eu não der conta de transformar a amizade dele em amor, quem sabe transformo meu amor em amizade? Só por uns tempos, claro.
A gente vai vivendo, vivendo, sendo amigo e, quem sabe, um dia…
O futuro a Deus pertence. A Deus e às fadas.
Também, pensando bem, amigo é quase namorado. Caminho. Nem meio nem fim, mas princípio.
Quer coisa mais incomum que princípio? A gente nunca sabe o que vai acontecer. Maior mistério.
No maior mistério, se ninguém descobrir, nem desconfiar, sou quase namorada dele. Estou no princípio, no caminho.
Só tá faltando a gente ir ao cinema. A Ana, que já teve muitos namorados, andou me contando.
A gente vai como quem não quer nada, querendo. E deixa acontecer.
Ela não me explicou direito essa história aí, de deixar acontecer. Mas deu umas dicas.
Filme de terror, por exemplo. Nada mais irresistível. Verdadeira fada. Depois que a gente vai ficando perto do cara, pra espantar o medo, não há bruxa que separe.
Na falta de filmes de terror, musical serve. A gente começa a cantar junto com a turma lá da tela, a acompanhar o ritmo com o pé, vai dando vontade de dançar, de encostar, de abraçar e pronto, tá desfeito o encanto. Ou feito, sei lá.
A Ana, que já brigou com muitos namorados, andou me contando mais coisas. Aquela história da faca de dois gumes. Das duas faces de uma mesma moeda.
Depois de muitos filmes de terror e alguns musicais, às vezes namorados brigam. E é comum a amizade acabar. Ou ficar abalada, como diz minha mãe.
Quero e não quero ir ao cinema com ele. E se o terror for pouco e ele pensar que não estou nem um pouco com medo, só fingindo, querendo que ele me abrace?
E se o musical, por uma dessas coincidências infernais, tocar Maringá? Nem que seja só a introdução, uma nota?
E se a nossa amizade ficar abalada?
Mesmo a gente sendo só amigo, tem hora que ele me olha de pertinho e, às vezes, quando ri, parece que se esquece de parar de me olhar. Fica toda vida.
Nessas horas meu coração começa a pular, igualzinho sapo encantado.
Acho que fico vermelha, mas não tenho certeza, porque não carrego espelho na bolsa. Nem na mochila.
Uma vez ele disse que sou a única mulher que ele conhece que não carrega espelho. Achei lindo ele me chamar de mulher.
À noite, olhos ainda abertos, fiquei ouvindo a voz dele: “mulher, mulher…”
Quando comecei a sonhar, o padre estava lá no altar.
Mãos dadas, olhos nos olhos, vestido branco, terno, flores, alianças.
Não sei se tinha mais alguém na igreja. Minha mãe, meu pai, o pai dele, a Ana.
Meu sonho só me mostrava os olhos dele, castanhos, incomuns.
Quando estávamos no meu do caminho, ouvimos um órgão, longe, longe:
– Maringá???
Mesmo assim acho que fomos felizes para sempre.
Tão estranha como você.
Ler algo assim e se sentir tão identificada, tão refletida... é maravilhosamente estranho.
Obrigada por isso, Frida.
"Eu costumava pensar que era a pessoa mais estranha no mundo, mas logo pensei, há muita gente assim no mundo, tem que haver alguém como eu, que se sente bizarra e debilitada da mesma forma que eu me sinto. Eu a imagino e imagino que ela também deve estar por aí pensando em mim. Bom, eu espero que se você está por aí e lê isso saiba que, sim, é verdade, eu estou aqui, tão estranha como você."
Obrigada por isso, Frida.
"Eu costumava pensar que era a pessoa mais estranha no mundo, mas logo pensei, há muita gente assim no mundo, tem que haver alguém como eu, que se sente bizarra e debilitada da mesma forma que eu me sinto. Eu a imagino e imagino que ela também deve estar por aí pensando em mim. Bom, eu espero que se você está por aí e lê isso saiba que, sim, é verdade, eu estou aqui, tão estranha como você."
Por: @Revista Literaria La Noche de las Letras / Visto na página Moça, você é machista.
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