sexta-feira, 16 de julho de 2010

Da particularidade de cada estrada




Não há como fugir:
haverá um dia em que você vai parar
e pensar no caminho que traçou;
pensar e procurar
motivos, justificativas, desculpas,
sua absolvição, ou sua culpa.
Vai procurar e questionar,
e enumerar todos os 'se' que puder;
se um tanto de coisas...
onde, com quem e como estaria agora?
Mesmo quem quer,
não pode fugir dessa hora.

Dessa vez eu não quis fugir,
não fugi;
pude então, pela primeira vez,
me sentar num alto e privilegiado lugar
que poucos alcançam, ou se dão conta
de terem alcançado;
de lá, percebo que estou onde, com quem e como
deveria estar;

sou quem sempre desejei ser,
mesmo quando ainda nem sabia disso.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Passionné par Camus

"Que significam aqui as palavras que falam de futuro, de maior bem-estar,
de situação? Que significa o progresso do coração? Se rejeito obstinadamente
todos os “mais tardes” do mundo, é porque se trata, da mesma forma, de não
renunciar à minha riqueza presente"
("O Vento em Djemila)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Aos [des]desiludidos

"Triste de quem fica desiludido(a) e evita outro amor de novo, cai no
conto, blasfema, diz “tô fora”, já era, tira onda, ri de quem ama, pragueja e
nunca mais se encontra dentro das próprias vestes.
Como se o amor fosse uma bodega de lucros, um comércio, como se dele fosse possível sair vivo, como nunca tivesse ouvido aquela parada de Camões, a do fogo que arde e não se sente, a da ferida, aquela, o Renato Russo musicou e tudo, lembra?

Triste de quem nem sabe se vingar do baque, sequer cantarola, no banheiro ou no botequim, “só vingança, vingança, vingança!”, o clássico de Lupícinio Rodrigues, o inventor da dor-de-cotovelo, a esquina dos ossos úmero com os ossos ulna (antigo cúbito) e rádio, claro, lição da anatomia e da espera no balcão da existência.
(...)

Não adianta chamar o garçom do amor e passar a régua para sempre por
causa de apenas um(a) sujeito(a) – como se representassem a parte pelo todo da
panelinha do mundo. O que não vale mesmo é eliminar o amor como proposta mínima na plataforma política de estar vivo.
Já pensou quantos amores possíveis, como diria Calvino, você estaria dispensando por essa causa errada? E quem disse que amor é para dar certo?

Amor é uma viagem. De ácido.
(...)

Sim, o amor acaba, se não você não entendeu ainda… Corra a ler o gênio mineiro Paulo Mendes Campos: em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Vamos esquecer a ilusão católica do até que a morte separe os pombinhos e viver lindamente o amor e o seu calendário próprio. Muitas vezes, não temos o amor da vida, mas temos um belo amor da quinzena, que, de tão intenso e quente, logo derrete. Foi bonito.

Vale tudo, só não vale o fastio e a descrença."


por Xico Sá, em Modos de Macho & Modinhas de Fêmea

Das intenções




Bichinho do questionamento,
me morde e leva a pensar;
é que logo se esgota o meu tempo:
arrisco e invisto, ou deixo pra lá?

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Sem títulos




Olhar hesitante, fito na janela:
a realidade é cortante,
causa medo, pudor e cansaço.

Olhar oscilante, através da janela;
esperança de infante,
calada, cativa, precisa de espaço.

Olhar vacilante, ultrapassa a janela;
percebe num instante:
enxergo o horizonte que faço.

"O certo é que, depois de longos estudos sobre mim mesmo, concebi a
duplicidade profunda da criatura. Compreendi, então, à força de remexer na
memória, que a modéstia me ajudava a brilhar, a humildade a vencer, e a virtude
a oprimir. Fazia a guerra por meios pacíficos e obtinha, enfim, pelo
desinteresse, tudo que cobiçava."

Albert Camus, em A Queda.

Resposta-Pedido

Não prive meu mundo
da sua visão;

não há culpa nos gestos
em que empenhado foi
o coração.