Gonzaguinha
[Ouça]
Te esperei vinte e quatro horas ou mais
de cada dia que eu vivi.
Te esperei mais de sete dias por semana,
sem um só dia te trair.
Te esperei mais de nove meses sem poder partir.
Mais de doze meses cada ano,
e te esperei
até um novo século surgir.
Te esperei na mesa, te esperei na cama,
Olhando as estrelas, te esperei na lama.
Te esperei bebendo,
te esperei calado,
embriagado
e gritando por aí.
Te esperei com fome, te esperei sem nome,
uma vez chorando e outra sem sorrir.
Num barraco, numa esquina,
te esperei pelo mundo,
te esperei sempre assim,
num buraco sem fundo
por dentro de mim
Mata derrubada, nas encruzilhadas,
pelas avenidas,
Te esperei no sangue, te esperei no mangue,
água derramada, vida proibida,
hóstia consagrada, pena colorida.
Te esperei de gravata, de luva e sapato.
Com tanto recato, nua e mal vestida.
Te esperei toda a morte,
te esperei toda a vida.
No regato, no esgoto,
Te esperei no mato,
no eclipse lunar, no luar neon.
Na escura solitária, no clarão das luminárias,
No ponto de encontro entre a bela e o monstro,
no raso da Catarina, na profunda dos infernos.
Te esperei nos azes, te esperei nos ternos,
Te esperei na tua, te esperei na minha,
Te esperei Clarice, te esperei Virgínia.
Te esperei tantos marços e mais fevereiros,
Esperei por inteiro e espero ainda neste
novo janeiro te dar boas vindas.
Dói cicatriz, unha arroxeando
Gota latejando, formigueiro assanha
Corre Dina e apanha logo
a roupa no varal que - vai chover!
Corre fogo longe, coração trovão,
tudo em volta cala.
Rio barreando, já na cabeceira
Vive o temporal - eu vi uma estrela!
- Daniel, uma vez há muito tempo atrás
Seu avô baiano chegou lá em casa a nado.
Eu e Dina estávamos em cima da mesa com água
pela pintura.
Na minha mão havia um barquinho de papel doido
pra brincar na correnteza,
e eu tinha certeza!
E o quarto crescente sorriu no céu,
perfeito sinal para o sol brilhar!
A arca afinal aportou cá no monte esperança, viu!
Mudança de tempo se sente no ar,
possibilidades de procriação!