domingo, 6 de novembro de 2011

Florbela

Canção grata

Por tudo o que me deste,
inquietação, cuidado,
um pouco de ternura,
é certo, mas tão pouca.
Noites de insónia
Pelas ruas como louca.
Obrigada, obrigada.

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão,
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui.
Sem ironia, aceita
A minha gratidão

Que bem que me faz agora
o mal que me fizeste.
Mais forte e mais serena,
E livre e descuidada.
Sem ironia, amor, obrigada.
Obrigada por tudo o que me deste.

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão,
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui.
Sem ironia, aceita
A minha gratidão

Florbela Espanca


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Vozes da biblioteca.

Eu converso com meus livros.
["louca!", pensou agora quem leu.]
Digo mais: falo com eles porque eles falam comigo primeiro!
["seu caso é sério, moça!", faz o leitor acenando a cabeça com piedade...]

Acho que não houve voz que ecoasse mais forte em minha vida que a de alguns autores que tenho na estante.
Tenho familiares incrivelmente sábios, formados não pelas universidades mas pela própria vida. Tenho amigos que me ensinam diariamente e compartilham de experiências que jamais esquecerei. Tive a sorte de conviver com bons mestres, que me marcaram profundamente. Mas, insisto, nada pesa mais em meu espírito quanto algumas palavras impressas nas muitas páginas que já li até hoje.

A relação de um leitor apaixonado com seu livro transcende as explicações rasteiras. É algo muito mais profundo. Ler um livro não é apenas conhecer uma história qualquer, entender um punhado de palavras que, organizadamente, compõem um texto.

Ler um livro é conhecer um pouco da alma de um estranho. Ler um livro é tomar para si um pouco da angústia, da alegria, dos sorrisos e das dores de alguém que nunca te viu, mas que, de alguma forma, está sujeito às mesmas mazelas e paixões que você.

Ler um bom livro é deparar-se com um figura desconsertante: o autor. Um sujeito que é como qualquer mortal que caminha embaixo desse céu, mas que tem um "não-sei-o-quê-não-sei-como" de mágico, um fascinante equilíbrio na linha que divide os extremos, um excitante privilégio de não ter que se explicar.
Um autor que se preze sempre fala um pouco de si mesmo, doa um pouco da sua alma, do que tem de melhor e pior. Por isso não gosto de livros de auto-ajuda. Um bom autor não te dá um manual para a felicidade. Um bom autor te dá uma sugestão: abra-se a sensibilidade, conheça um pouco do meu olhar e descubra o que temos em comum.

O momento da leitura tem um toque de sagrado, e é quase como uma ida ao confessionário. É uma conversa aberta, livre de timidez e constrangimentos.
Diante do meu livro, posso admitir o que sou; a arte me absolve. Estamos ali, só nós dois. Mais que amigos: cúmplices de um segredo, estranhos confidentes. Eu não o trairei. Sei que ele também não.


"A leitura de um bom livro é um diálogo incessante: o livro fala e a alma responde.""
André Maurois

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Transição

Meu lado poético parece dormir no momento. Me vêm à cabeça muitas ideias e construções para textos que fogem àquela mínima estrutura que um poema pede.
Ou talvez meu inconsciente deseje uma simplificação das coisas. Foco e objetividade. De mal com o que me ilude, me atenho a aspereza do texto curto [ou não] e grosso, da palavra como ela é, sem rodeios ou figuras, sem usar a maquiagem do lirismo na cara lavada do dia-a-dia.

sábado, 27 de agosto de 2011

Novo vício

"Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: da boca o que faço agora?
Que faço do dia, da noite?
Sem paz, sem amor, sem teto,
caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora."

Rainer Maria Rilke
[traduzido por Augusto de Campos

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Inverno

Árvores nuas, tardes cinzentas,
um dia que corre lento.
Olhos semi-cerrados,
tudo parece bocejar.
Meu inverno se emoldura nessa espera,
grande espera por tanta coisa,
que eu já nem sei enumerar.
Espero por tantos,
e também por mim mesma;
espero por cada novo dia
que este frio vento me trará.
Espero o despertar da primavera
da minha alma,
que um dia ganhará o mundo,
seguirá seu rumo,
fazendo da minha existência
esse interminável verão
que eu quero experimentar.

Quintana sabia da busca de todo poeta

"Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como uma pobre lanterna que incendiou!"

Mario Quintana (1906 - 1994)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Eu disse adeus

Hoje eu te disse adeus.
Não, não foi um até logo.
Eu não escondi tua foto no fundo da gaveta;
eu rasguei, pois não posso te devolver.
Pensar em ti tornou-se um peso,
que eu já não suporto carregar.
Perdoe-me, mas não é fraqueza;
eu apenas tentei ser forte por tempo demais.

Eu andei tão mal acostumada
com tua atenção, com teu olhar.
Quando aqui estavas, eu era única;
na tua ausência, eu sou mais uma.
Eu nem tive tempo de te dizer as coisas
que planejei dizer.
Talvez, por sorte, tenhas aprendido a ler meus olhos,
meus gestos, minha letra, minhas entrelinhas
com tudo que estes queriam te contar.

Sei que as lembranças permanecem,
eu ainda aprendo a conviver com elas,
eu prometo.
Agora eu sei, eu entendi.
Eu não preciso te esquecer,
eu só preciso te deixar partir.
Eu não preciso sofrer,
eu só preciso te dizer adeus.
Adeus.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Perguntas que eu quero calar

Quem abre mão de alguma coisa por alguém, ou até mesmo por princípios?
Quem se sacrifica por alguém além de si mesmo?
Quem ainda tem cuidado em fazer postura e discursos andarem juntos?
Quer manter sua sanidade nessa vida?
Não espere nada de ninguém.
Mesmo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Silenciei-me

- "O que dizer? Não era pra ser."
Sentença tão sensata,
a coisa mais exata,
que dá tanta raiva de repetir.

sábado, 11 de junho de 2011

Recado




Minha letra estava perfumada
de alegria, de antecipação
e de saudade.
Tua resposta veio rasteira,
simples, objetiva, sem rodeios...
teu jeito torto de carinho
que eu nunca entendo.

Tudo bem. Eu não vou chorar.
O meu olhar não é o teu,
e não há nada que seja meu
agora.
Um dia tudo isso será inundado
de sentido, aí eu te decifro!
E me decifro junto, combinado.
Um dia as peças estarão no lugar
certo, os passos compassados,
e esse meu desassossego
será só uma lembrança,
enfim.

Falácia

Eu entendi a falácia do amor.
Ela teima em dizer que existe um modelo,
que foi predestinado,
que é romântico,
que será pra sempre.

Nosso traço maior,
que é a exclusão,
transforma o imperfeito em não-amor,
em distração,
em acidente.

Falácia das falácias,
esperar seu príncipe, ou sua princesa,
cavalo branco, carruagem
e outras estórias.
Tolice das tolices pensar no perfeito,
sonhar o perfeito, esperar o perfeito.
O amor perfeito permanece na ideia.
Na vida real, só o imperfeito
nos pertence.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sonhos na gaveta




Não me desfaço dos meus sonhos,
guardo todos numa gaveta.
Sonhos envolvem sentimento:
sentimento não é perecível.
Sonhos envolvem esperança:
esperança não tem prazo de validade.

Não me desfaço dos meus sonhos,
guardo todos numa gaveta.
Essa gaveta não tem chave.
Sonhos envolvem pessoas:
pessoas não combinam com trancas.

Lá estão eles,
cuidadosamente guardados, protegidos
pra que não sejam maltratados pelo tempo,
surrados pela hostilidade,
constrangidos pela minha desilusão.
Eles não morrem sufocados,
são arejados pela minha fé,
que ainda resiste, sim,
apesar de tudo.

De tempos em tempos,
dou-lhes uma olhada,
vejo qual deles já está no tempo
de ganhar o mundo, de saltar para a vida.
Não me preocupa mais a contagem do tempo,
eu sei que eles não morrerão,
sei que cada um aguarda a sua hora
para acontecer, para ser livre...
A gaveta é apenas um estágio,
o espaço não é a essência.
A essência do sonho
será sempre a liberdade.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Me disseram...

"O estado mais elevado de amor não é, de modo algum, um relacionamento: é simplesmente um estado do seu ser.

Assim como as árvores são verdes, aquele que ama é amoroso. Elas não são verdes apenas para determinadas pessoas: não é que quando você aparecer elas se tornam verdes.

A flor continua espalhando sua fragrância quer alguém apareça ou não, quer alguém aprecie ou não.

A flor não começa a liberar sua fragrância quando um grande poeta está se aproximando — "Bem, este homem apreciará, este homem será capaz de compreender quem eu sou".

E ela não fecha suas portas quando vê que uma pessoa estúpida, idiota, está passando por ali — uma pessoa insensível, obtusa, um político ou alguém parecido... Ela não se fecha — "Qual o sentido? Por que jogar pérola aos porcos?"

Não, a flor continua espalhando sua fragrância. Trata-se de um estado, não de um relacionamento."

Osho, em "Vida, Amor e Riso"

domingo, 22 de maio de 2011

Um Retrato




Eu aqui, dentro de mim,
sou tantas outras,
sou tão sem fim...

Distante e evasiva,
o olhar perdido da menina
no quadro de Renoir.
Uma cortina, uma neblina
cobrem meu gesto,
meu jeito,
desajeitado caminhar.

Tento compor o meu retrato,
um relatório abstrato
que boa rima não tem...
Mas se assim o aceito,
por vê-lo belo e imperfeito,
me reconheço também.


*Imagem: Auto-Retrato, de Tarsila do Amaral [1918]

domingo, 15 de maio de 2011

Exposição

Já não se trata apenas dos meus pensamentos.
Já não diz respeito apenas aos meus sonhos.
Já não é meu segredo.
Nada mais é só meu.
É a minha letra que não mente.
É o meu verbo que está todo impregnado
de você.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Canto

Ora, ora! Vamos embora
que o andar da hora
não nos espera!
Veja, veja! Segue a peleja,
que a paz que goteja
é pura quimera!
Siga, siga! Alcance e bendiga
a mão tão amiga
que longe te espera!
Cante, cante a alegria distante!
Só te importa ir avante,
ser além do que era!

sábado, 7 de maio de 2011

Do lado de cá

Do lado de cá interpreto sinais,
procuro vestígios, desculpas, motivos
para entender o que não é meu.
Do lado de cá eu traço rotas
para a minha possível travessia,
mas minha bússola se engana,
sempre se engana.
Do lado de cá monto quebra-cabeças,
costuro uma colcha de retalhos:
mil pedaços do que poderia ser,
compondo um todo que não ganha vida.
Do lado de cá bate sol,
tem água e comida,
tem chuva e tem estio.
Tudo corre bem, para quase todos.
Só no meu olhar falta um pouco
de brilho.
Do lado de cá permaneço,
porque ponte ainda não há;
ou apenas existe e persiste o meu medo
de atravessar.

domingo, 1 de maio de 2011

Teu Olhar

Teu olhar, um segredo:
posso eu, logo cedo,
algo novo prever?
Teu olhar faz mistério,
e se torna tão sério
quando hesita em me ver.

Teu olhar, meu espelho:
mau exemplo ou conselho,
o que vem me contar?
Teu olhar, falsa mágica:
uma nota tão trágica
pode aqui retratar.

Teu olhar, um veneno:
sentimento pequeno
faz crescer e aquece.
Teu olhar, uma cura:
é encontro e procura;
me enxerga e esquece.

Teu olhar, quase engano,
levemente profano:
quanto quer me iludir?
Teu olhar toda hora
me faz ir mundo afora,
sem distância medir.

Teu olhar eu encaro:
tem um jeito tão raro,
um feitio de dor.
Teu olhar interrogo:
é que espero, tão logo,
entender tua cor.

sábado, 23 de abril de 2011

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Herança

Você partiu.
Morreu na minha realidade.
Ficaram as lembranças,
um inventário de momentos,
de ideias, de palavras,
e de um silêncio derradeiro
que me cortou os pulsos sem derramar sangue,
que me calou a admiração,
plantou insultos na minha boca,
violentou minha esperança.

Não houve anúncio;
fiquei suspensa, tal qual equilibrista
na corda bamba do desencanto,
do desencontro...
desassossegada espera.

Hoje eu não sei de muitas coisas.
Não sei o que você levou de mim,
porque não há vazio algum aqui.
Não houve nem há abismo entre nós,
e como isso é possível, também não sei.
Eu só conheço a minha herança,
só vejo agora o que você me deixou.
Presença. Verdade.
O direito adquirido de te lembrar.
E me liberta saber que será sempre meu,
e todo meu,
o direito de sentir saudade.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Piano Bar

Composição: Humberto Gessinger

O que você me pede eu não posso fazer
Assim você me perde e eu perco você
Como um barco perde o rumo
Como uma árvore no outono perde a cor

O que você não pode eu não vou te pedir
O que você não quer, eu não quero insistir
Diga a verdade, doa a quem doer
Doe sangue e me dê seu telefone

Todos os dias eu venho ao mesmo lugar
Às vezes fica longe, impossível de encontrar
Mas, quando o néon é bom
Toda noite é noite de luar

No táxi que me trouxe até aqui
Bob Marley me dava razão
As últimas do esporte, hora certa
Crime e religião
Na verdade, nada
É uma palavra esperando tradução

Toda vez que falta luz
Toda vez que algo nos falta
O invisível nos salta aos olhos
É um salto no escuro da piscina

O fogo ilumina muito
Por muito pouco tempo
Em muito pouco tempo o fogo apaga tudo
E tudo um dia vira luz
Mas, toda vez que falta luz
O invisível nos salta aos olhos

Ontem à noite, eu conheci uma guria
Já era tarde, era quase dia
Era o princípio num precipício
Era o meu corpo que caía

Ontem à noite, a noite tava fria
Tudo queimava, nada aquecia
Ela apareceu, parecia tão sozinha
E parecia que era minha aquela solidão

Conheci uma guria que eu já conhecia
De outros carnavais, com outras fantasias
Ela apareceu, parecia tão sozinha
Parecia que era minha aquela solidão.

#55

E na hora em que recomeça a disputa
eu sempre fico em dúvida
eu logo penso: 'e agora?'
Melhor ser mais um candidato
na lista
ou ficar do lado de fora?

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Sob a lua



Ontem vi a lua linda
como nunca pude ver;
penso em você, o tudo que ainda
me importa querer...
Me importa sentir
a pele de sol, o cheiro de mar.
Inútil é fugir,
bobagem fingir
que não compensa gostar.

Eu peço, regresse!
Aproveita o luar!
Meu céu entristece
quando fico a esperar.
Pra que chegue e se achegue
não exijo razão...
Vem como a lua, leveza,
suave beleza,
minha inspiração.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Ano Novo






Parei por dez minutos para pensar
no que desejaria aos amigos no ano novo...
sentimento até sincero, frases freitas,
intenções repetidas.
O que há de novo para desejar àqueles que amo?

Parei por quarenta minutos para fazer
a habitual retrospectiva dos tropeços,
do que deu errado no ano velho...
Mesma coisa: mesmos erros, mesmos planos,
mesmo jeito, mesma espera de todos os anos...
O que há de novo para que eu faça?

Parei por uma hora para listar
minhas novas resoluções...
A dificuldade em torná-las diferentes das anteriores
me assusta...

Perdi duas horas, que não voltarão.

O que fazer para criar uma lista totalmente nova?
O que fazer para não lamentar, em doze meses,
as mesmas falhas?
A resposta está na pergunta...
Fazer, não perguntar.
A vida é muda.
E ela só muda, se eu me calar e decidir viver.

Aos amigos,
Feliz dia novo!
Recomeço todo dia.
Menos barulho, mais ação.